Blog

21 de setembro de 2022

Barrados no próprio baile: quando nossa cor chega antes de nós.

“É raro, mas acontece com frequência”.

Perdi a conta de quantas vezes já li essa frase nas redes, sempre cheia de ironia, mas ultimamente, tenho visto ela fazer mais sentido do que gostaria.

No finalzinho do mês passado, os comediantes Yuri Marçal e João Pimenta, dois homens negros, foram impedidos de acessar a área dedicada às atrações de um evento de humor no qual os dois faziam parte da apresentação.

Os seguranças, descrentes de que ambos faziam parte das atrações, alegaram que a área não poderia ser acessada por eles, mesmo apresentando credenciais. Conversa daqui, chama produção dali, a assessoria dos comediantes interviu, teve pedido de desculpas, e o show prosseguiu. Só depois o caso foi relatado por ambos em suas respectivas redes.

Não muito longe dali, dias depois, a influenciadora, empresária, artista e apresentadora Ana Paula Xongani foi detida em um aeroporto em Portugal, sendo levada a uma sala da Polícia Federal, onde estavam outras seis pessoas. Todas negras e homens.

Em postagem no Instagram, Xongani relatou a experiência como traumática, e contou que ficou cerca de sete horas no local, onde passou “fome, medo, angústia, ansiedade, estresse”, sem saber se poderia continuar sua viagem. Ela narrou que teve a ajuda de sua rede de apoio, junto com a atuação de um atendente do aeroporto que, segundo ela, estava “disposto a descobrir” quem ela era “para além da sua imaginação estereotipada”.

E na semana passada, aconteceu com a influencer e ex-BBB Camilla de Lucas.

Ocupando um assento na classe executiva de um voo dos Estados Unidos para o Brasil, Camilla foi questionada se aquele era o “seu lugar”. A segurança exigiu que a influencer mostrasse seu cartão de assento, mesmo com o voo estando lotado, e somente Camilla de Lucas precisando provar que tinha o direito de estar onde estava.

“Imaginação estereotipada”. “Você tem certeza de que esse é o seu lugar?”

Quatro pessoas negras, censuradas apenas por causa da própria cor. O fator decisivo se seremos liberados ou não para acessar os lugares que frequentamos. Vocês já pararam para pensar nisso?

Tem um print que eu vi no Twitter que era algo como “O que o racismo te impediu de fazer/sonhar?”, e é sobre isso, sabe? A realidade triste que a imensa maioria de nós, pessoas negras, enfrenta, sobretudo no Brasil.

No caso de Yuri e Pimenta impede eles de exercerem o próprio ofício. No caso da Xongani e De Lucas, impediu elas de andarem livremente por aí, a trabalho ou de férias, desacompanhadas e usufruindo do próprio dinheiro.

Seja trabalhando, realizando um sonho de longa data, de férias, ou qualquer outro motivo, o ponto é que, no fim do dia, mesmo estando em uma posição de poder e visibilidade, você não tá isento de ter que lidar com essas questões repetitivas e cansativas. (“raras que acontecem com frequência”), porque a cor da sua pele chega antes de você em qualquer situação.

Mas afinal, qual é o nosso lugar? E até quando o racismo vai nos impedir de sonhar?

Veja também